Abstract
Os sistemas de saúde em todo o mundo têm sofrido forte pressão com a inversão da pirâmide demográfica, o aumento da prevalência de doenças crônicas e o desenvolvimento de novas tecnologias, exigindo que sejam encontradas soluções para garantir o acesso aos cuidados de saúde para todos os pacientes, independentemente da idade, condição de saúde ou capacidade de pagamento, mantendo a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Adicionalmente, o modelo de remuneração por produção ou por procedimentos, o modelo fee-for-service, pode levar ao aumento de custos, sem, no entanto, garantir a qualidade na atenção ao paciente. Como alternativa, Porter e Teisberg sugeriram, em 2006, a adoção do modelo de saúde baseada em valor (value-based healthcare – VBHC), definindo como valor a razão entre os desfechos de saúde, avaliados a partir da mensuração dos resultados alcançados pelos pacientes, e o custo total para alcançá-los. Os autores enfatizam a importância de se concentrar nos resultados que realmente importam para os pacientes, levando em consideração a eficácia do tratamento, a experiência do paciente e os custos envolvidos, e, neste sentido, propondo que o valor seja o principal objetivo a ser perseguido nos sistemas de saúde. Defensores do modelo VBHC argumentam que associar qualidade e custos é fundamental para a aplicação mais eficiente dos recursos escassos, uma vez que, prestadores de serviços mais eficientes são mais bem remunerados, garantindo a sustentabilidade do sistema. A adoção do modelo VBHC requer a implementação de seis elementos principais: organização do cuidado em unidades de prática integrada (integrated practice units – IPUs) em torno de condições médicas do paciente; medição de resultados e custos para cada paciente; migração para pagamentos agrupados (pagamento por bundleds) para ciclos de cuidado; integração de sistemas de entrega de cuidados; expansão da abrangência geográfica; e construção de uma plataforma de tecnologia da informação que facilite a implementação. Apesar de amplamente discutido, a implementação do modelo VBHC ainda enfrenta desafios, conforme apontado em revisão sistemática recente sobre o assunto, cujos resultados indicaram que há uma grande variabilidade interpretativa dos conceitos referentes ao modelo VBHC e que sua aplicação pode variar em diferentes ambientes hospitalares. Adicionalmente, as diferenças nas políticas e modelos dos sistemas de saúde entre países (e dentro deles) podem influenciar as várias conceituações e as estratégias de implementação necessárias ao modelo VBHC. Diante do exposto, este trabalho tem como objetivo analisar na literatura científica experiências internacionais de saúde baseada em valor (VBHC) implementadas em sistemas universais de saúde. Para tanto, foi realizada uma revisão integrativa de literatura, pretendendo responder à questão norteadora: o que a literatura científica apresenta sobre VBHC já implementados em países com sistemas universais de saúde? As bases de dados utilizadas foram PubMed, Biblioteca Virtual de Saúde – BVS/Lilacs e Scopus. Inicialmente, procedeu-se à busca pelos descritores relativos ao fenômeno delimitado pela pergunta de pesquisa (saúde baseada em valor), associados a termos-livres, no intuito de aumentar a sensibilidade da busca. Os termos foram escritos em inglês e as estratégias de busca foram definidas de acordo à especificidade de cada base, conectados por meio de operador booleano (OR). Para gerenciamento e triagem das referências foi utilizado o software Rayyan. Em 03 de fevereiro de 2023, foram identificadas 3.038 publicações, das quais 1.699 eram duplicatas ou triplicatas, sendo estas excluídas. A triagem dos resultados foi feita pela leitura dos títulos e resumos; foram excluídos artigos de revisão, artigos de comentários ou de opinião, além daqueles que não abordavam o modelo VBHC como tema central. Adicionalmente, foram excluídos artigos oriundos de países que não possuíam sistemas universais de saúde; quando essa informação não estava disponível no título e/ou resumo, foi necessário verificar a afiliação dos autores do estudo. Como critérios de inclusão, além do alinhamento ao tema central da pesquisa (modelo VBHC), foram considerados: estudos empíricos e quantitativos, além de artigos escritos nas línguas em inglês, português ou espanhol. Após a fase de triagem (onde 1.287 estudos foram incluídos), chegou-se a 52 artigos selecionados para leitura na íntegra; destes, cinco não estavam disponíveis de forma gratuita em sua integralidade e não puderam ser acessados. Após leitura dos 47 artigos completos, foram excluídos nove artigos cujo tema central não era o modelo VBHC, sete artigos cujo tema central era validação e/ou desenvolvimento de protocolos, 15 estudos qualitativos, e quatro estudos não empíricos sobre o tema VBHC; além desses foram excluídos também um artigo de revisão, um relato de caso e um artigo do tipo survey. Desta forma, nove artigos foram incluídos nesta revisão integrativa. Para a etapa de extração de dados, foi utilizada uma planilha eletrônica (Microsoft Excel). Para cada artigo lido, foram extraídas as seguintes informações: autor, ano, título, país do estudo, condição clínica estudada, objetivo do estudo, metodologia empregada, principais resultados e conclusões obtidos, e elementos característicos do modelo VBHC mensurados. A partir dos dados levantados, acredita-se que será possível entender como se deu a implantação do modelo VBHC em países com sistemas universais de saúde, buscando compreender as consequências da sua adoção, no que diz respeito ao conceito de valor em saúde (conforme definição de Porter e Teisberg), e fazer discussões acerca do cenário brasileiro.