Abstract
Desde que a tortura passou a ser usada sistematicamente contra dissidentes políticos pela ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985, sua representação em filmes e obras literárias destacou uma das modalidades de tortura mais comuns no período: o eletrochoque. Defendo que, embora a tortura por eletrochoque consuma uma quantidade relativamente pequena de energia, seja a proveniente de aparelhos elétricos ou gerada manualmente por manivelas, a representação da eletricidade como algo necessariamente excessivo constitui uma das formas mais paradigmáticas pelas quais sua presença se torna simbolicamente visível na produção cultural do Antropoceno na segunda metade do século XX. Este capítulo lê cenas de tortura por eletrochoque como típicas da Grande Aceleração, que depende de um fornecimento constante de energia elétrica, a fim de investigar como as narrativas de tortura por eletrochoque possibilitam uma nova abordagem de tal corpus por uma perspectiva ambiental. Concentro-me em duas obras do final dos anos 1960 e início dos anos 1970 em que a tortura irrompe nas narrativas de forma abrupta: o romance As meninas (1973), de Lygia Fagundes Telles, e o filme Matou a família e foi ao cinema (1969), de Júlio Bressane.
Publisher
Universidade de Estado do Rio de Janeiro