Author:
Pedroza Antonia Márcia Nogueira
Abstract
Neste artigo, procuramos contribuir com a discussão sobre a precariedade da liberdade, evidenciando como o grau dessa precariedade variou no tempo e no espaço. Procuramos demonstrar que, na província do Ceará, as forças que pressionaram contra a liberdade oscilaram ao longo do período estudado, tornando-se mais intensas nos períodos de calamidade, principalmente durante as secas ocorridas entre 1844 e 1845 e entre 1877 e 1879, quando a sobrevivência se tornou uma luta tenaz a ser vencida a cada dia pelos pobres e miseráveis. A partir da combinação entre análise quantitativa e qualitativa de jornais, processos civis e criminais, comunicação da chefatura de polícia e relatórios de presidentes de província, dentre outros documentos, examinamos como a liberdade foi usurpada e reivindicada pelos sujeitos sociais na referida província. Foi possível observar que, no plano individual, as pessoas eram atingidas por essa fragilidade de maneiras e com intensidades distintas. Aquelas que não viviam laços familiares e comunitários consistentes ou se encontravam distantes dos locais onde estavam suas redes de parentes, vizinhos e conhecidos, ou aquelas que não dispunham de meios para assegurar a vida material, sofriam mais fortemente a ameaça de serem escravizados ilegalmente ou reescravizados. Além disso, para elas eram mais custosa e incerta as lutas pela recuperação da liberdade. Para que a escravização e a reescravização ilegais fossem praticadas com êxito, era necessário o emprego de estratégias. Neste trabalho exploramos algumas histórias de escravização e de lutas pela liberdade, voltando nosso olhar para a identificação dos mecanismos empregados pelos escravizadores. O deslocamento espacial das vítimas, a retirada do convívio com sua família ou comunidade era importante para que o crime de reduzir pessoa livre à escravidão, tipificado no artigo 179 do Código Criminal de 1830, fosse efetuado. Entretanto, pudemos identificar que nem sempre a vítima era retirada à força, por meio de sequestro: por vezes ela acompanhava o futuro escravizador porque ele era alguém do seu conhecimento ou de suas relações, depositando nele certa confiança. Importa destacar que, nessas disputas em torno da escravidão e da liberdade que envolviam redes de clientela, conflitos políticos locais e intrigas de famílias, os escravizados e aqueles que estavam sob a ameaça da escravização ou reescravização sabiam quais cartas podiam botar na mesa para conseguirem o acesso à Justiça e obterem ou manterem a liberdade.
Publisher
South Florida Publishing LLC
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