Author:
Guerra Ayla Morais Vitório,De Carvalho Vinicius Pereira,Gandra Laura Soares,Oliveira Fernando Meira de Britto
Abstract
Quando se fala na população transgênera, as pessoas que circulam no campo da saúde (entre trabalhadoras da saúde, usuárias e outras atrizes) imediatamente pensam no “processo transexualizador”. Apesar de pautar demandas desse grupo político-social, esse “processo” não representa todas as necessidades de cuidado à saúde. Outrossim, restringe à Atenção Primária à Saúde (APS) o acolhimento e o encaminhamento para serviços especializados, levando-nos a questionar o papel desse nível de atenção como ambiente de desenvolvimento de cuidado integral e longitudinal, garantido a toda população brasileira. Neste trabalho, objetivamos realizar um apanhado inicial das principais estratégias desenvolvidas para (e na) atuação da APS em Salvador (Bahia) no cuidado à saúde de pessoas transgêneras. Trata-se de um estudo de cunho empírico e bibliográfico. Para sua realização, foram revisadas referências de bases de dados nacionais e internacionais (busca bibliográfica não-sistemática). Além disso, realizaram-se entrevistas com sujeitos que integram serviços públicos de saúde voltados às transgeneridades e da gestão municipal ligada à Política Nacional de Saúde Integral LGBT. Todas as pessoas entrevistadas concordaram voluntariamente em participar da pesquisa e assinaram um termo de autorização. Observamos que as unidades de APS de Salvador revelam uma ênfase no encaminhamento para serviços de saúde especializados no “processo transsexualizador” ou tratamento de infecções sexualmente transmissíveis. Isso ocorre devido às violências institucionais produzidas nas unidades do sistema de saúde, o que torna a procura por serviços generalistas e de rotina mais dificultada e se reproduz nos horários de atendimento, que não condizem com as realidades de vida de algumas das pessoas transgêneras. Ademais, é fruto da falta de competências e habilidades de trabalhadores de saúde no acolhimento e cuidado desse grupo político-social, causada pela ausência de (ou baixa) sensibilização sobre o tema no âmbito da formação em saúde. Todavia, verificamos que essa conjuntura presente nos serviços da APS soteropolitana tem recebido intervenções e sido sutilmente modificada. Nesse sentido, destacamos iniciativas desenvolvidas no “Campo Temático Saúde da População LGBT” da Secretaria Municipal de Saúde, que foi constituído em 2014 e tem se direcionado para promoção de cuidado integral à saúde LGBT; no “Transaúde”, projeto voltado para o acolhimento e cuidado integral de pessoas transgêneras no 14º Centro de Saúde, tendo sido iniciado em 2016 e encerrado em 2018; e nas “Unidades Básicas Amigas da Saúde LGBT”, estratégia implementada em 2019 que busca realizar a qualificação de Unidades Básicas de Saúde/Unidades de Saúde da Família através da educação permanente de trabalhadores da saúde e certificação das unidades de saúde. Não obstante, durante a pandemia da COVID-19, a APS foi preterida e algumas pautas que apontavam avanços na qualificação dos serviços para o atendimento da população trans foram interrompidas, intensificando-se a desassistência à saúde. Portanto, o cuidado à saúde de pessoas transgêneras na APS de Salvador ainda revela caráter tímido e localizado, necessitando de mudanças que cubram toda a rede, de modo a garantir serviços de qualidade, melhoria nas formas de acolhimento, enfrentamento da transfobia institucionalizada e produção de trabalhadores da saúde orientados em um cuidado integral, contínuo e longitudinal.
Publisher
South Florida Publishing LLC
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