Abstract
Tendo como inspiração O Atlântico Negro de Paul Gilroy (1993/2001), propomos realizar um exercício de interpretação de quatro letras consagradas da música popular brasileira (MPB). São elas: “Chico Rei” (Jarbas Soares, Djalma de Oliveira Costa e Geraldo Soares de Carvalho, 1964); “Zumbi” (Jorge Ben, 1974); “Mestre Sala dos Mares” (João Bosco & Aldir Blanc, 1975) e “Morena de Angola” (Chico Buarque, 1980). Ao tomarmos as canções como parte do arcabouço intelectual d’O Atlântico Negro, consideramos duas principais chaves de leitura: (a) o imaginário de tempo/história e (b) os princípios generificados de enunciação. Seguindo a trilha metodológica proposta por Gilroy (1993/2001), identificamos a música como espaço público de elaboração e difusão de memórias sobre a diáspora negra. Informadas por lutas históricas travadas pelo povo negro, as canções recuperam narrativas insistentemente invisibilizadas e questionam o suposto lugar de “não-agência” política das populações escravizadas ou vivendo sob regimes autoritários. Frente à urgência em interromper o cansativo refrão da história única, encontramos nessas obras acesso privilegiado às recordações sobre revoltas contra a escravização e o colonialismo, difundindo no presente saberes decoloniais. A produção e inscrição de uma memória oposicional — aquela que reivindica espaço e lugar ao mesmo tempo em que contesta versões sedimentadas — é um trabalho constante que está intimamente relacionado com o estabelecimento de novos horizontes de luta no presente.
Reference38 articles.
1. Académicos do Salgueiro. (2014, 24 de outubro). https://www.salgueiro.com.br/
2. Anderson, B. (2008). Comunidades imaginadas (D. Bottman, Trad.). Companhia das Letras. (Trabalho original
3. publicado em 1983)
4. Araújo, H. L. (2018). Quatro mulheres, quatro canções: A representação do estereótipo feminino na lírica de Chico Buarque. Revista Crioula, (21), 698–715.
5. Bakke, R. R. B. (2007). Tem orixá no samba: Clara Nunes e a presença do candomblé e da umbanda na música popular brasileira. Religião & Sociedade, 27(2), 85–113. https://doi.org/10.1590/S0100-85872007000200005