Tutela, família e estado: digressões sobre surdos entre os séculos XIX e XX no Brasil

Abstract

Neste artigo veremos como a produção de um conhecimento científico (XIX-XX) estigmatizou a população surda ao relacionar a surdez com a loucura ou com o nervoso ou com o doente da cabeça. Essa identidade que foi se constituindo a respeito das pessoas surdas, não está exclusivamente relacionada às manifestações exteriores da loucura, como gritos, tremores, vontade sem controle, mas se refere à sede causal de explicar o desencadeamento da loucura pela “utopia científica” conhecida como “frenologia” e pela teoria da degeneração. Sendo o corpo da pessoa surda considerado uma marca da “degeneração”, ocorre uma desapropriação de sua subjetividade, que se processa via uma pedagogia higienista, empreendido pelo projeto de Estado-nação e que resultou num plano de código civil brasileiro, que ora exclui sua existência (simbolizada pela política imigratória e de reprodução eugênica), ora intervém com o plano de regenerar, corrigir a pessoa surda. Com isso, se notará, também, uma investidura na tutela que torna o Estado, o saber especializado e a família como mãos que detêm o poder da vida das pessoas surdas, um tipo de “coletivização do cuidado”.