Abstract
O presente exercício de prospecção de possíveis oikos vindouros, assentados na intersecção entre poesia e as assim chamadas “plantas de força”, centra-se na análise do campo lexical da espiritualidade que emerge em Fita verde no cabelo, breve narrativa publicada por Guimarães Rosa em suplemento literário do jornal O Estado de São Paulo, no dia 8 de fevereiro de 1964, sob fatura de inocente versão adulta e transcultural de “Chapeuzinho Vermelho”. Com base na declaração do autor de que o conjunto de sua obra destina-se à preparação de um “omelete ecumênico”, examina-se a hipótese de que essa breve estória coloque em cena o ritual votivo da ayahuasca, preparado enteógeno de origem amazônica que, segundo indica a própria etimologia quéchua do termo, teria o condão de conectar os comungantes com o espírito de seus ancestrais (“aya” significa “espírito” ou “ancestral”, enquanto “huasca” significa “laço” ou “conexão”). Para tanto, prospectamos estudos científicos, depoimentos de xamãs e relatos de caso sobre as comunhões espirituais, nos quais se afirma que a ayahuasca promove a expansão da consciência e o alcance de experiências extáticas de natureza espiritual, do autoconhecimento individual a eventuais registros mediúnicos. Imagens e expressões do relato rosiano são então analisados em cotejo com a liturgia, os credos e os resultados de tal experiência espiritual de matriz ameríndia, a qual transcende a possibilidade de explicação por meio da razão, a “megera cartesiana” de que trata o médico e romancista mineiro.